quinta-feira, 6 de maio de 2010

Alice (o livro)

Postado por Zeca Camargo em 22 de abril de 2010 às 11:53
Capa 
de 'Alice no país das maravilhas' pela editora Cosac NaifyA expectativa é grande… Afinal, o que se pode esperar do diretor mais enlouquecido de Hollywood filmando a história infantil mais enlouquecida de todos os tempos? Não sei nem mais quantas vezes eu já assisti ao trailer de “Alice no país das maravilhas”, de Tim Burton, mas foram várias (não só no cinema, mas também na internet ). Mas sei que a expectativa é grande.
Tanta, na verdade, que me inspirou até a reler o livro original como uma espécie de preparação para a estreia – que no Brasil acontece nesta sexta-feira (23), algumas semanas (sete, para ser exato) depois de o filme ser exibido pela primeira vez nos Estados Unidos, onde já arrecadou mais de US$ 300 milhões! Devo assistir à nova adaptação de “Alice” neste fim-de-semana (não sei bem quando vou ter tempo para isso… mas vou dar um jeito!), e devo, obviamente, escrever sobre ele aqui já na semana que vem. Nesse meio tempo, porém, achei que seria interessante entreter você com um comentário sobre o livro. E começo perguntando: você já o leu? Mesmo?
“Alice no país das maravilhas” é um daqueles clássicos tão onipresentes na vida da gente que muitos nem precisam lê-lo de fato para poder soltar uma citação. Não digo que as pessoas fazem isso de propósito – pelo menos não no sentido de querer impressionar alguém com essa leitura, blefando numa conversa literária (na curiosa atitude defendida pelo escritor francês Pierre Bayard, no seu delicioso volume “Como falar de livros que não lemos?”, da editora Objetiva, já comentado neste espaço). Mas às vezes as pessoas “acham” que já leram “Alice” pelo simples fato de a obra já fazer parte de uma espécie de “imaginário coletivo”.
Eu mesmo não consigo me lembrar se cheguei a ler mesmo “Alice” quando criança – ou, pelo menos, se a ouvi contada por algum “adulto” (pai, mãe, tios, primos) que a escolheu para me divertir numa tarde ociosa. Ou será que meu contato com o trabalho mais conhecido de Lewis Carroll foi por conta da adaptação (sob a forma de desenho animado) dos estúdios de Walt Disney? Essa minha confusão – assim como a própria lembrança nebulosa da sequência de eventos da história (mais sobre isso daqui a pouco) – não é uma exceção. Com várias pessoas com quem conversei (mais ou menos da minha geração), a sensação era a mesma: a memória de “Alice” era sempre difusa. Mas nunca menos que presente – o que só reforça a relevância da história…
Mesmo anos depois da minha infância (e estamos falando, como todos sabem, de uns quarenta e poucos…), sou capaz de lembrar de fragmentos de “Alice sem esforço – o que não me impediu de ter algumas surpresas ao reler, há poucos dias o original…
Entre “meus verdes anos” e essa minha atual suposta maturidade (mesmo aos 47, considero um atrevimento falar de mim mesmo como uma pessoa madura, mas eu divago…), lembro-me de ter investido “oficialmente” em “Alice” só uma vez – no final da minha adolescência, quando eu começava a me arriscar a ler livros inteiros em inglês. Ainda sem o treino suficiente para encarar grandes volumes, achei que ler um pequeno tomo que compreendia as duas histórias de Alice (no “país das maravilhas” e “no país do espelho”) seria moleza… Não foi, é claro – não só por que meu vocabulário de inglês ainda não era muito extenso (e Lewis Carroll caprichou nas suas descrições!), mas também pelo ritmo frenético da história, que só fazia confundir aquele garoto que achava que já dominava bem aquela língua…
Enfim, depois disso, nunca mais retomei o livro. E só agora, com a chegada da adaptação de Tim Burton às telas, me senti inspirado a revisitá-lo. A onda de lançamentos também ajudou. Nos últimos dias, tive o prazer de entrar em várias livrarias e encontrar sempre um nicho com várias versões da obra de Carroll expostas. E, entre tantas opções, acabei escolhendo a edição da Cosac Naify para me deleitar.
Não foi uma decisão tão gratuita assim. Primeiro pela escolha do tradutor – Nicolau Sevcenko, escritor e historiador, com quem esbarrei logo cedo na minha carreira de jornalista, e por quem tenho admiração desde então. Depois, pela escolha do ilustrador – o artista plástico Luiz Zerbini. As imagens que ele criou para acompanhar a história são de um refinamento que poucas vezes se vê num livro que pretende agradar tanto crianças quanto adultos. Se as imagens evocam as ilustrações antigas que sempre acompanhavam a narrativa insana de Carroll, a releitura delas por Zerbini – que fez dos personagens do livro silhuetas recortadas em cartas de baralho (eternamente associadas à própria história de Alice) – é nada menos do que genial!
Ilustrações de Luiz Zerbini para a edição de 'Alice' da Cosac 
Naify.
Assim, num fim de tarde recente, sentei-me ao ar livre (tentando evocar, quem sabe a própria atmosfera sugerida no início do livro quando Alice vê pela primeira vez o coelho “com pressa”) e mergulhei junto com a protagonista num buraco de aventuras inusitadas. Aliás, bem mais inusitadas do que eu podia me lembrar…
De cara, um dos maiores prazeres de ter relido “Alice no país das maravilhas” foi ter redescoberto o absurdo! Bem menos “coerente” do que aquela lembrança do desenho da Disney podia sugerir, as peripécias de Alice não têm nada de linear! Situações e cenários sucedem-se de maneira tão delirante, que – penso agora, já adulto – esse deve ser um dos segredos principais da obra para exercer seu fascínio de maneira tão cativante em todas as crianças. A mágica de Carroll, ao que me parece, consiste justamente em seguir a “lógica” de um pensamento infantil – mas que não mão de um adulto brilhante como ele (já prestou atenção num detalhe de sua biografia que diz que ele era matemático?) transformou-se num sofisticado jogo de imaginação.
O que mais me encantou nesse reencontro não foi tanto o conjunto de personagens – que afinal, faz parte do já citado “imaginário coletivo” -, mas os pequenos detalhes que emprestam à história uma lógica infantil. Vou dar um exemplo: quando Alice ainda está caindo no buraco – uma ação que demora mais do que o “previsto” (como prever quão longa vai ser uma queda?), e que por isso provoca nela um pensamento típico de uma criança que não consegue calcular o tempo (”Ou o poço era realmente profundo, ou ela caía muito devagar”) -, enfim, ao longo da queda, ela repara que o percurso é cercado de paredes com vários objetos familiares, e interage com eles:
“De passagem, apanhou um pote numa prateleira. Nele estava escrito: GELEIA DE LARANJA, mas para sua tristeza, o pote estava vazio e ela o colocou de volta em outra prateleira pela qual passava então, pensando que, se o atirasse fora, poderia acertar a cabeça de alguém”.
Bem, se você está caindo num buraco, sua última preocupação é acertar um pote vazio de geléia na cabeça de alguém… Isso, claro, se você for um adulto, porque se você for uma criança… faz totalmente sentido!
alice240A curiosidade de Alice é tipicamente infantil – tão autêntica, que é capaz, inclusive, de desafiar o raciocínio adulto. Como, para dar outro exemplo, nesse diálogo com o Chapeleiro (que, pelo menos nessa tradução, não é chamado de “Maluco”, apesar de o Gato Inglês, ao apresentá-lo para Alice, deixar claro que ele é tão louco quanto a Lebre Aloprada!). Diz ele:
“O Tempo não tolera ser marcado. Mas se você se der bem com ele, ele pode fazer tudo que você quiser com o relógio. Por exemplo: suponha que sejam oito horas da manhã, hora de começar a estudar. Você só teria de sussurrar umas palavrinhas no ouvido do tempo e, num piscar de olhos, meio-dia, o almoço está na mesa!
- Bem que eu gostaria – suspirou a Lebre Aloprada.
- Seria uma maravilha, com toda certeza – disse Alice pensativa. – Mas, nesse caso, eu ainda não estaria com fome, não é?
- Na mesma hora não, é certo – respondeu o Chapeleiro. – Mas você poderia manter o relógio em meio-dia por quanto tempo quisesse.”
Brilhante, não é? E tanto do ponto de vista adulto quanto do infantil!
Na sequência alucinada de eventos – nem todos frescos na minha memória (por exemplo, eu não tinha nenhum registro da Falsa Tartaruga; e tinha uma vaga lembrança que o que a mesa de chá do Chapeleiro estava posta para comemorar um “desaniversário”, algo que nem é mencionado nessa tradução do original) -, fui viajando no mesmo espírito de Alice. Por vezes, confesso, até um pouco irritado com tamanho desprendimento de uma história que fizesse sentido…
Todas vezes que vinha essa irritação, porém, me lembrava de que, a rigor, aquilo não havia sido escrito para mim – pelo menos não para mim aos 47 anos… E então me esforçava para transportar-me de novo aos meus cinco, seis ou sete anos, e me deliciar com a queda livre de associações que só uma criança é capaz de aproveitar por completo (Nós adultos, tão comprometidos com o “raciocínio formal”, tão cheios de buscas de sentidos para as coisas, tão inundados com os “comos” e os “porques”, raramente nos damos o direito a essas livres associações de idEias – a não ser quando estamos realmente apaixonados, mas eu divago novamente… Será o efeito “Alice”?).
E foi nesse espírito que concluí, em pouco mais de uma hora, a (re)leitura de “Alice no país das maravilhas” – extremamente satisfeito de ter sido provocado, na minha imaginação, por essa sucessão de imagens tão mirabolantes e sedutoras. Afinal, que criança não gostaria de passar pelas mesmas aventuras, mesmo sabendo dos riscos, ciente de que vai passar por situações assustadoras (um bebê com cara de porco! uma rainha que manda cortar a cabeça de todos!)? Esta “criança” aqui que vos escreve adoraria ter passado por tudo aquilo.
E o que mais me encanta é que toda essa viagem foi provocada por um objeto que todo mundo adora dizer que está ficando obsoleto… um livro! Termino o texto de hoje com essa pequena provocação – e não é à toa. Esta semana vi a demonstração da “aplicação” de “Alice” para o iPad – vi primeiro no iPhone de um amigo e, depois, no próprio iPad de um outro amigo (que, devo admitir, deixou-me corado de inveja, um sentimento que eu achava que meu budismo diletante já havia superado…). Fala sério!!!
Só de ver essa demonstração da “app” (o irritante apelido das “aplicações”), fiquei arrepiado – e isso não é uma figura de linguagem! Imagine que você é uma criança e tem um iPad na mão e aproveita para ler “Alice” nele… Sabe o que vai acontecer? Você vai se apaixonar mais ainda pela história – sua imaginação tem tudo para se expandir ainda mais com aquele estímulo visual e narrativo. Mas o que mais me emociona mesmo, insisto,  é saber que por trás de tudo isso – da “app”, e mesmo do filme (sobre o qual vou escrever aqui na segunda-feira) -, tem um livro fascinante.
E mesmo que uma geração inteira seja apresentada a “Alice no país das maravilhas” por essa incrível ferramenta tecnológica, quem sabe essas crianças se interessem um dia em ir até uma biblioteca e fuçar de onde vem tantas histórias legais…

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