quinta-feira, 6 de maio de 2010

Alice (o filme)

Postado por Zeca Camargo em 26 de abril de 2010 às 13:00
alicezecaE então? Leu o livro? Prepare-se para um choque! Se você achou, por exemplo, qualquer adaptação da saga Harry Potter para a tela do cinema uma traição ao texto original, você não vai pensar duas vezes antes de condenar Tim Burton pelo crime de “apropriação livre” da obra-prima de Lewis Carroll – comentada aqui no post anterior. Condenação, aliás, que ele não merece.
Porque, apesar de todos os obstáculos (muito trabalho no fim-de-semana, e uma procura absurda por ingressos – que me obrigou a sentar na última poltrona da extrema esquerda da sala de um cinema), eu assista à “Alice no País das Maravilhas” este fim-de-semana. E me diverti muito!
Poderia ter sido o contrário – isto é, eu poderia ter me entediado muito, se eu tivesse entrado num clima de comparar o roteiro do filme com a história original. Mas, já tendo lido algumas resenhas na imprensa americana (todas alertando sobre as “liberdades poéticas” que Burton havia tomado), nem me incomodei quando, logo de cara, no lugar de ver Alice brincando num jardim antes de encontrar um coelho com pressa, encontro um grupo de senhores ingleses tendo sua conversa interrompida por uma menina (Alice, claro), que não consegue dormir por causa de um pesadelo recorrente – que começa, como você já pode imaginar, depois que ela cai num buraco…
Depois disso, a história é catapultada para alguns anos depois, quando a menina já está em idade casadoira (o que, na Inglaterra de meados do século 19, deve corresponder a uns 16/17 anos) e resolve escapar de uma temerária proposta de casamento… isso mesmo: correndo atrás de um coelho com pressa! Inevitavelmente, ela o segue até o buraco no pé de uma árvore – e cai nele… Dali para frente, é melhor você fazer como a própria Alice e perder o referencial: abandonar tudo que você conhece (ou tudo que você se lembra) do livro e aceitar mais este convite para entrar no mundo ensandecido de Tim Burton. Acredite: você não vai se arrepender…
Antes de falar mais propriamente do filme, mais um aviso. Não sei se foi porque eu sentei muito (mas muito!) longe da tela, poucas foram as vezes em que “senti” que estava vendo um filme em 3D. Com a lembrança de “Avatar” ainda forte nas minhas retinas, esperava algumas tomadas mirabolantes – especialmente porque a comunhão entre os caminhos fantasiosos de Alice com a visão fantástica de Burton seria uma combinação perfeita para isso. No entanto, insisto, foram poucas as vezes em que achei que estava usando aqueles óculos terríveis (será que eles são tão feios assim justamente para as pessoas não levarem para casa?) por um motivo justo… (Li em algum lugar que o filme não teria sido concebido originalmente como uma obra em 3D, o que me parece fazer todo o sentido).
Ah, e tenho de fazer mais uma observação também antes dos elogios: a coisa que mais lamentei em toda a adaptação foi que o delicioso “non-sense” do livro de Carroll – que faz com que as passagens da história se desenrolem sem nenhuma relação lógica entre elas (como disse no post anterior, mais ou menos como funciona a imaginação de uma criança) – foi sacrificada na produção hollywoodiana, para que tudo se transformasse numa grande “batalha entre o bem e o mal”…
Como quem leu o livro pode concordar, tal conflito simplesmente inexiste no livro. A Rainha Vermelha manda cortar a cabeça de quase todo mundo, é verdade – mas ninguém cumpre suas ordens… O Chapeleiro é sem dúvida uma pessoa “do bem” na história original, mas está longe de ser um mártir que luta para que a bondade da Rainha Branca prevaleça. E as coisas mais “perigosas” que Alice leva consigo, na concepção de Carroll, são dois pedaços de cogumelo (um para fazê-la crescer e ou para ela diminuir de tamanho) – nunca a temida espada de Vorpal!
Fora esses… “detalhes”, quase nada me incomodou na adaptação de Tim Burton para “Alice”. Poderia até reclamar que passagens como o “lago de lágrimas” da própria Alice simplesmente desapareceu na tela grande (e olha que isso seria “pano para manga” na imaginação desse diretor!). Poderia perguntar, por exemplo, onde foi parar a engraçadíssima marmota dorminhoca presente no chá do Chapeleiro (ou a Falsa Tartaruga). Ou por que o diretor insistiu no erro de adaptações anteriores e incluiu os “gêmeos” Tweedledee e Tweedledum na trama de “País das Maravilhas”, quando na verdade eles pertencem ao “País do Espelho”… Mas você vai achar que eu estou sendo “purista” – tradução: chato!
E eu simplesmente não quero passar essa impressão ao comentar o trabalho de um dos diretores que mais me surpreenderam desde que eu comecei a ir no cinema – um hábito que remonta aos idos de 1971, quando os cinemas passavam a primeira versão de “A fantástica fábrica de chocolate” (refilmado por Tim Burton em 2005), ou mesmo antes disso…
Pode pegar qualquer trabalho seu. “Edward mãos-de-tesoura”, por exemplo – o filme que colocou Burton no mapa (eu sei, ele já havia feito um “Batman” e “Os fantasmas se divertem”, mas foi mesmo com “Edward” que ele disse ao que veio…). Se, como eu, você teve o prazer de ver esse trabalho pela primeira vez no cinema (ele é de 1990… hummm, você teria de ter mais de 30 anos para se encaixar nesse grupo, certo?), deve se lembrar do encantamento que essa experiência trouxe!
Ou podemos falar de “Ed Wood” (1994) – uma biografia do diretor homônimo, tão absurda que parece ter sido inventada (só como referência, é bom lembrar que um de seus trabalhos mais famosos é “Plano 9 do espaço sideral”, considerado um dos piores filmes de todos os tempos – e se você tiver dúvidas, assista ao trailer da época do lançamento, 1959). Esse é talvez o meu filme favorito de Burton – totalmente inesperado (o que é a visão de Johnny Depp, que faz o papel principal, vestido de angorá?), obscuramente cômico, e genial!
Eu gosto até mesmo do pequeno desastre que foi sua versão para “Planeta dos macacos” (2001), e fui um dos que defenderam com mais entusiasmo sua adaptação para o cinema do musical da Broadway “Sweeney Todd”, já comentada neste espaço. “Marte ataca!” é um dos DVDs que eu salvaria em caso de incêndio na minha casa. Como fã antigo de Pee-Wee (uma paixão por um personagem que levaria um post inteiro para explicar, e, por isso, é melhor deixar para outra hora!), coloco seu filme de 1985 nessa lista de preferências. E “Alice” certamente também vai fazer parte dela.
Nem que seja apenas pela performance de Helena Bonham Carter, como a Rainha Vermelha…
Com aquele cabeção – que provavelmente você viu no trailer –, ela é uma presença tão bizarra na grande tela, que você fica torcendo para a Rainha aparecer de novo logo, assim que uma cena sua termina. Ao contrário do Chapeleiro de Johnny Depp – que está uma nota apenas abaixo do histriônico exagerado e aparece talvez um pouco demais ao longo da trama –, a Rainha de Carter é um deleite de maldade! No entanto, a própria Alice (vivida por Mia Wasikowska) não me convenceu por inteiro – e quem é aquele valete, interpretado por Crispin Glover? Mas as pequenas interferências da Lagarta Azul (com a voz de Alan Rickman) e, sobretudo, do Gato Inglês (no timbre suave de Stephen Fry) me animavam cada vez que a história teimosamente tentava fazer sentido…
De certa maneira a melhor atitude para se divertir com “Alice” é a mesma que eu adotei para não me aborrecer com “Avatar”: encarar o filme todo como uma curiosa sucessão de “tableaux” – ou “quadros” carregados de imagens fortes. A curiosidade para seguir as aventuras dessa “Alice” até o fim depende mais da pergunta “e o que será que meus olhos vão ver agora?” do que do seu envolvimento com a trama. Não que ela seja ruim – ela é apenas desinteressante. E, exatamente por isso, eu aplaudo a habilidade de Tim Burton de criar, mais uma vez – e com todas essas adversidades – um cativante caleidoscópio cinematográfico.
Bem…
Estou aqui cheio de elogios – todos, insisto, merecidos. Mas não quero terminar o texto sem admitir que, pelo menos de leve, estou um pouco decepcionado com a adaptação… Talvez porque eu tenha relido “Alice no país das maravilhas recentemente”, tudo que eu queria era ver nas telas algo mais próximo das páginas criadas por Lewis Carroll… Fiquei com isso na cabeça por horas depois de ver o filme – até concluir que uma interpretação fiel do livro daria, hum, talvez um filme bem menos interessante…
Sério! Relendo algumas de suas passagens antes de escrever este post, acabei achando que o universo absurdo criado por Carroll – e que funciona tão bem no papel (principalmente porque oferece um material riquíssimo para a imaginação de quem lê) – não renderia um filme muito atraente para o grande público. Afinal, o cinema, com sua abundância visual, deixa muito pouco para a fantasia…
A “Alice” de Burton é sim uma festa visual – e eu recomendo com louvor. Mas para viver todo o imaginário dos personagens criados por Carroll, ainda prefiro dormir com o livro na minha cabeceira…

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