A morte do ator durante as filmagens tornou “Dr. Parnassus” obrigatório – e ainda mais delirante
Luís Antônio Giron
A promessa que O mundo imaginário do dr. Parnassus faz ao espectador é transcender a realidade pela imaginação. Para isso, basta cruzar o espelho ao fundo de um palco. É uma metáfora do escapismo teatral. Mas essa figura de linguagem encontrou, no meio do caminho, a morte real. O astro do longa, o ator Heath Ledger, morreu durante as filmagens. Para salvar o que parecia irremediável, o diretor Terry Gilliam recorreu a uma forma de ilusionismo: a edição digital. Assim se deu o primeiro encontro do diretor com a alta tecnologia. Antes de ser celebrado pelas visões quiméricas, Gilliam fez fama com vinhetas animadas feitas à mão. Com o início da produção de Dr. Parnassus, em novembro de 2006, expandiu sua arte com técnicas como green screen e CGI (geração de imagens por computador). “Quero que o espectador fique em dúvida sobre os efeitos visuais”, disse. “Usei os métodos manual e digital, sem que nenhum deles vire um fetiche. São ferramentas.”
Foi por causa dos esboços que Ledger se ofereceu para trabalhar no projeto, no início de 2007. O ator estava filmando Batman, o cavaleiro das trevas. Apesar de imerso no papel do Coringa (que lhe renderia um Oscar póstumo) e em problemas pessoais, arranjou tempo para atuar no filme do amigo, rodado em locações nos arredores da Ponte Blackfriars, em Londres. E trouxe com ele a filha de 3 anos, Matilda. Ledger se encantou com a fábula sobre um grupo de teatro mambembe que percorre as ruas sujas da cidade em um palco sobre rodas. Assumiu o papel de protagonista, o saltimbanco Tony.
No roteiro, Tony surge pendurado por uma corda na ponte e é resgatado pela trupe, formada pelo mágico Anton (Andrew Garfield), o anão Percy (Verne Troyer) e a ingênua Valentina (Lily Cole). O mentor é o pai dela, Doutor Parnassus (Christopher Plummer). Ele tem 1.000 anos de idade e é capaz de levitar. Adquiriu tais poderes ao fazer um pacto com o senhor Nick (Tom Waits). Em troca, prometeu ao diabo que lhe daria Valentina, quando ela fizesse 16 anos.
O aniversário se aproxima, e Parnassus entra em pânico. A presença de Tony altera o cotidiano da companhia. Até então, os atores tentam inutilmente convidar as pessoas a ver o espetáculo. Quem hoje se encantaria por alegorias esfarrapadas?
Tony introduz novas ideias, como cenários modernos e nu artístico. E convida o público a atravessar o espelho mágico. Os poucos candidatos a cruzá-lo vivem, do outro lado, o que sonhavam. Valentina e Tony se apaixonam. Mas o diabo vem fazer a cobrança. Enquanto Parnassus tenta renegociar a dívida, o casal foge pelo espelho. As filmagens se encerraram nesse ponto da trama. O plano incluía tomadas digitais num estúdio em Vancouver. Ledger fez uma pausa em Nova York, onde morava, para entregar Matilda à mãe, a atriz Michelle Williams, de quem havia se separado. Ele amargava a depressão, com a disputa legal pela guarda da menina. No set, fumava maconha e bebia. “Essa mulher vai me matar”, disse, diante da equipe. Em 22 de janeiro de 2008, foi encontrado morto em seu apartamento, aos 28 anos. A causa oficial da morte foi overdose de medicamentos receitados.
CONTRASTE
A trupe do Doutor Parnassus apresenta uma peça fantástica (e anacrônica) nas ruas da Londres atual. Poucos assistem ao espetáculo
A trupe do Doutor Parnassus apresenta uma peça fantástica (e anacrônica) nas ruas da Londres atual. Poucos assistem ao espetáculo
Os “dublês” de Heath Ledger no papel de Tony Com a morte do ator, três amigos interpretam uma faceta do personagem – e de Heath Ledger | |
Escrachado Através do espelho mágico, Tony surge como palhaço, vivido pelo inglês Jude Law. Conta piadas e faz micagens | |
Romântico Outra “viagem” pelo espelho leva Tony a se ver como um galã dançarino. O americano Johnny Depp faz o papel | |
Ambicioso O irlandês Colin Farrell representa o lado mais humano de Tony. Ele quer fama, dinheiro e mulheres |
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